Corte-Se, Suzana...


Um belo conto achado na imensidão da web. Curtam.


As baratas consomem os ralos restos de comida barata pelo chão da casa. Os ratos fazem a festa na geladeira aberta e com toda a comida há meses estragada. Os cupins se divertem degustando os livros na estante de mogno, também parte da degustativa festa. Pequenos outros insetos, animais rastejantes diversos e todo tipo de imundície encontra-se dispersa pela casa de Suzana, em casa trancada há meses, em seu quarto todo sujo de sangue, sentada nua no chão cheio de sangue, a olhar para a parede à esquerda de sua cama cheia de mofo, a ouvir A Voz Na Parede...


— Eu adoro vê-la assim, Suzana, praticante de algo que me alegra, tornando minha passagem por aqui muito boa. Estou sentindo mais dedicação da sua parte nesta nossa brincadeira. Parece que estamos muito bem necessitados de mais velocidade nela, não parece, Suzana? Então, Suzana, corte-se... Corte-se, Suzana, corte-se... Faz bem para você... Faz bem para mim... Faz bem para o mundo... Corte-se, Suzana...


A navalha dialoga com o bíceps esquerdo de Suzana, um corte bem profundo no que ainda resta da pele do mesmo, um corte lento primeiramente e rápido ao chegar no tríceps. Suzana não esboça reação, sua face cortada é apenas uma grotesca moldura ensanguentada de um quadro pintado por um macabro artista. Este artista, A Voz Na Parede, fala e fala e fala com ela...


— Adoro seus cortes, Suzana, costumam ser um deleitoso prato de comida para os meus olhos e sentidos. Desde que se acostumou a me obedecer, menina, eu tenho sido muito seu amigo e compartilhamos de uma intimidade bem profunda. Inteligência temos para continuar com essa amizade e não quero que ela acabe; por isso, Suzana, corte-se... Corte-se, Suzana, corte-se... Corte-se, Suzana, corte-se... Sou seu amigo mais fiel, o único amigo que teve em toda a sua vida, quero te ajudar, quero que saiba que eu amo te ajudar... Então, para que eu possa te ajudar, corte-se, Suzana, corte-se...


A navalha dialoga com uma parte do lado esquerdo do rosto dela que ainda não foi cortado. Um corte em w profundo, perto do olho esquerdo, olho petrificado, sem sinal de vida, sem sinal de que alguma vez houve nele uma vida. Como sempre, ao acabar de cortar-se, Suzana faz a mão que empunha a navalha, ora a esquerda, ora a direita, mecanicamente cair em suas mutiladíssimas pernas. Nada mecânica é, no entanto, a voz que ela ouve, a única voz que ela ouve agora, A Voz Na Parede, voz de aniquilante caótica natureza...


— Ouvimos um ao outro sempre, não, Suzana? Mesmo sendo muda, você falava comigo, deixava tudo para trás, esquecia tudo, até seus pais e os outros mudos que se diziam seus amigos. Apenas minhas palavras eram ouvidas, mesmo sendo comigo um tanto quanto desobediente. Eu te fiz o que você hoje é com o tempo, Suzana, eu te moldei à minha profunda imagem e semelhança em algo que sempre quis que você fosse. A navalha fica bem em suas mãos, os cortes ficam bem em seu corpo e a sua falta de sentidos, menos o da audição, me deixa deliciado... Faz o que eu mando, faz, Suzana, faz... Corte-se, Suzana... Corte-se, corte-se... Corte-se, Suzana, corte-se...


A navalha dialoga com o lado esquerdo do pescoço dela, um corte de baixo para cima bem rápido e outro perpassando-o, formando uma deformada cruz. Não há luz no quarto e no mesmo a luz do sol não adentra há meses. Meses! Meses! Meses! Quantos meses se passaram desde que Suzana se cortou pela primeira vez? Apenas A Voz Na Parede sabe, apenas Ela, uma consciência que sempre foi para Suzana a sua verdadeira essência, sabe... Não há luz, há apenas, para ela, a autoretalhar-se, A Voz Na Parede...



— A nossa brincadeira, Suzana, tão boa e tão eficiente... Estamos nos divertindo como nunca nos divertimos e todo o tempo do mundo temos para continuar com ela até que todo seu sangue acabe. Tenho que te controlar, você sempre foi afoita, desde pequena, querendo sempre, avidamente, terminar tudo o que começava. Vá com calma, fique calma, sempre calma, Suzana... Nós temos que experimentar muita coisa ainda, fique calmíssima e corte-se... Corte-se, Suzana, corte-se... Corte-se, corte-se, corte-se, Suzana...


Bem acima da vulva, Suzana efetua mais um corte, o décimo quinto na mesma região. Levantando os lábios vaginais, efetua o primeiro dentro da vagina, fazendo com que abundamente brote muito mais sangue do que antes, sangue que, no entanto, ainda não é o último que lhe resta. Estranhamente, parece que sua perda de sangue está sendo ordenada, orientada, organizada, controlada com excelente eficácia. Abundância de sangue e abundância de palavras na parede... A Voz Na Parede, obssessiva, obcecada e obssessora...


— Bom, Suzana, muito bom esse seu último corte... Nós nos entendemos bem, Suzana, muito bem... Saiba que te adoro muito mais por causa dessa sua obediência de agora, estamos tão unidos... Somos tão amigos... Nessas ocasiões, desejo que isto aqui nunca termine e sem noção de tempo e de espaço continuemos sem fim neste jogo nosso, nesta brincadeira nossa. Vai, Suzana, corte-se... Quero ver isso... Desejo ver isso... Me alegra ver isso... Me excita ver isso... Corte-se... Corte-se... Corte-se... Corte-se... Corte-se, Suzana... Corte-se...


A navalha dialoga com os seios dela, rápidos cortes laterais, profundos, ajuntando-se a antigos cortes anteriormente feitos. Os seios, que já nem seios são mais, são como pedaços dependurados de carne apresentando sinais de deterioração. O corpo todo de Suzana está se deteriorando, ao vermelho do sangue une-se o negro da deterioração. Uma gargalhada na parede ela ouve enquanto seus braços novamente pendem roboticamente acima de suas pernas. É uma gargalhada na parede, uma gargalhada que ela ouve vir da parede, parede para a qual seus olhos estão sumamente voltados. Gargalhadas na parede, gargalhadas da Voz Na Parede...


— Belos, belos, muito belos estão os seus seios agora! Nunca gostei deles como eram antes, estavam bonitinhos demais! Agora, sim, Suzana, eu gosto deles, assim como de todo o seu corpo! É um corpo que apenas cadáveres desejariam, disto eu tenho absoluta certeza! Você nunca foi vaidosa, lembra-se? Lembra-se, também, que eu sempre te impedia de ser um pouquinho vaidosa, mesmo que os seus pais quisessem que você se arrumasse um pouco melhor? Eu impedi tudo, assim como impedi a aproximação de homens, sempre desejei você apenas para mim, minha mudinha mutilada... Vai, bonitona, corte-se... Vai, lindinha, corte-se... Corte-se, minha gatinha... Corte-se, gatinha... Corte-se... Corte-se... Corte-se, Suzana, minha linda mutilada gatinha... Corte-se, Suzana, minha linda retalhada gatinha...



A navalha dialoga com as nádegas, cortada várias vezes acima de antigos cortes; com o rosto todo, cortado onde já nem há mais espaço para cortes; e o abdômen, já tão castigado, quase aberto, volumoso e grande... Abdômen volumoso? Abdômen grande? Qual o motivo desse volume? Qual o motivo desse tamanho? Qual o motivo se Suzana há meses não se alimenta? Qual o motivo se Suzana é um perfeito esqueleto agora, que há meses não se alimenta? O motivo está todo com a voz que ela ouve na parede... A Voz Na Parede sabe o motivo... A Voz Na Parede, mantendo Suzana todos esses meses no mesmo estado, sabe o motivo... Ouçamos, todos juntos, A Voz Na Parede... Olhe para a parede em vosso quarto, mutilado retalhado leitor... Ouça A Voz Na Parede... Ouça A Voz Na Parede... Ouça A Voz Na Parede... Ouçamos juntos A Voz Na Parede... Ouçamos juntos A Voz Na Parede... Ouçamos juntos A Voz Na Parede... Como Suzana ouve...



— A sua barriga cresceu muito após esses nove meses, Suzana, faltam apenas sete dias para nascer a sua filhinha, a da qual cuidarei com muito esmero e carinho. Você era muito rebelde, não me ouvia antes e veja o que eu tive que fazer para você me obedecer após, claro, te engravidarem. Eu te falei para matar os seus pais, Suzana, eu te falei, mas você teimava em não matá-los, em me dizer que os “amava muito”, que tolice, que asneira, que burrice... E veja no que deu a sua teimosia, Suzana, seu pai, que te violentava, abaixo das vistas grossas de sua mãe, te engravidou; e aí, então, com ódio deles, você tomou coragem e usou a navalha! Mas, já era tarde, muito tarde, eu não queria que você engravidasse de nenhum homem, você era apenas minha, unicamente minha... E te castiguei durante estes nove meses, para que soubesse que eu sou seu dono, o dono da sua vida, o dono do que falta da sua estúpida vida. Apenas sete dias faltam para que você morra e a sua filha nasça... Vou chamá-la de Suzana Segunda, e nesta casa abandonada, vou ensiná-la desde cedo a mexer com a navalha... Até lá, Suzana, até o dia da sua morte, corte-se... Corte-se, desgraçada... Corte-se, maldita... Corte-se, miserável... Corte-se, piranha... Corte-se, vagabunda... Corte-se, cadela... Corte-se, rameira... Corte-se, vadia... Corte-se, mutilada... Corte-se, retalhada... Corte-se, Suzana Mutilada E Retalhada... Corte-se, Suzana... Corte-se, Suzana... Corte-se, Suzana... Corte-se, Suzana... Corte-se, Suzana... Corte-se, Suzana... Corte-se, Suzana... Corte-se Suzana... Corte-se, Suzana... Corte-se, Suzana... Corte-se, Suzana...



A navalha dialoga com o bíceps esquerdo...




A navalha dialoga com a panturilha direita...




A navalha dialoga com o pé esquerdo...




A navalha dialoga com o pulso direito...




A navalha dialoga com o alto da cabeça...




A navalha dialoga com a orelha direita...




A navalha dialoga com as costas...




A navalha dialoga com a palma da mão direita...




A navalha dialoga com os lábios...




A navalha dialoga com o ânus...




A navalha dialoga com os lábios vaginais...




A navalha dialoga com todo o corpo dela...




A navalha possui uma linguagem amiga...




A navalha possui uma linguagem sagrada...




A navalha possui uma linguagem: a da Voz Na Parede...




A Voz Na Parede...




Suzana ouve...




A Voz Na Parede...




Suzana ouve...




A Voz Na Parede...




Suzana ouve...




A Voz Na Parede:




Corte-Se, Suzana...




Corte-se, Suzana...




Corte-se, Suzana...




Corte-se, Suzana...




Corte-se, Suzana...




Corte-se, Suzana...




Corte-se, Suzana...




Corte-se, Suzana...




Corte-se, Suzana...




Corte-se, Suzana...




Corte-se, Suzana...




Corte-se, Suzana...




Corte-se, Suzana...




Corte-se, Suzana...




Corte-se, Suzana...




Corte-se, Suzana...




Corte-se, Suzana...




Corte-se, Suzana...




Corte-se, Suzana...




Corte-se, Suzana...




Corte-se, Suzana...




Corte-se, Suzana...







Inominável Ser

OUVINDO A VOZ

NA PAREDE

DO QUARTO DELE

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